Tal como o resto do mundo, também os meus olhos e esperança se concentraram naquele político negro que trata as palavras com a mestria e delicadeza de um músico que toca um instrumento de cordas.
O patriotismo elogiado daqueles dezoito minutos, bem como dos dois anos que ficaram para trás, deixa-nos transtornados tal a inveja que nos cria pela América. América nome pessoal. América que se quer reerguida. América que se quer dialogante. América ponto.
Mais do que a tamanha crise
Não duvido das suas intenções. Não duvido das suas capacidades. Não duvido dos seus valores, no amor pela família e pelos outros sustentados. Duvido, sim, do titânico e infernal peso das expectativas globais.
Espero, sinceramente, que o tempo venha a revelá-las não só correspondidas, mas também ultrapassadas.
Por outro lado, não tenho dúvidas que a história contemporânea relembrará Bush de uma forma muito mais positiva e agradecida, do que aquela que hoje não conseguimos ter.
Os seus erros foram muitos. Graves. Catastróficos. Mas, para mim, o maior erro de todos foi julgá-lo burro. Se há coisa que Bush, de uma família de elevada educação e tradição americana, não é, é estúpido. Pelo contrário. Bush é deveras inteligente, e foi-o na forma como se dirigiu ao americano comum: rebaixando-se e ridicularizando-se a si próprio.
Por isso, partilho de certa forma, nunca o absolvendo das atrocidades resultantes das más decisões tomadas, mas partilho do sentimento de compaixão por Bush que João Pereira Coutinho bem deu forma no segmento “Purgatório” da sua crónica na revista Única de 17/01/2009:
“Tenho uma certa compaixão por Bush. Dificilmente encontro político contemporâneo mais trágico, no verdadeiro sentido da palavra “tragédia”: alguém que vê a contingência a desabar sobre a sua cabeça atordoada e imponente. Em 2001, o homem entrava na Casa Branca com uma agenda simpática (um “conservador passivo”, lembram-se?) e uma política internacional quase isolacionista, depois das aventuras de Clinton. Coitado. Mal ele sabia que o 11 de Setembro vinha a caminho. E o Afeganistão. E o Iraque. E uma crise económica e financeira como não se via há décadas.(…) Perante tudo isto, o mundo não perdeu tempo e desatou a culpar a personagem pela violência do acaso. Faz parte do pensamento primitivo atribuir as desgraças terrenas aos caprichos das divindades. Lévi-Strauss explica. O que ninguém explica é se teria sido possível fazer diferente, ou melhor: antecipar o 11 de Setembro; não atacar o Iraque, quando toda a gente acreditava no perigo de Saddam; e, já agora, evitar a loucura geral de consumidores e banqueiros, uma febre que começou com Clinton. Na próxima terça-feira, o mundo despede-se de Bush. Com um suspiro de alívio. Mas o mundo não se iluda. Os problemas não começaram com Bush e não terminarão com Bush. É por isso que, na hora do adeus, eu acredito que o maior suspiro será o dele”.