O olhar para este último capítulo desta pequena novela escrita já algum tempito, proporcionou em mim dois sentimentos distintos: primeiro alguma ingenuidade na escrita em algumas partes; por outro lado, o sentimento de um pequeno orgulho por ter escrito outras passagens que me soam ainda musicalmente bem aos ouvidos. Porém, é me claro, que esta pequena história, é extramente simples, fruto do seu tamanho, mas também suave e engraçada, e que, se para este mesmo trabalho, o pedido fosse uma história com apenas mais algumas poucas páginas, o resultado teria sido bastante diferente.
Apetece-me desafiar o meu ego partindo para uma aventura literária de maior envergadura, mas por outro lado... a preguiça, a falta de tempo, tantas outras coisas onde queimar tempo...
Fica contudo aqui, a pedido especial do Edgar, o final deste pequena novela, construída em tempos por um escritor que o gostava de o ser.
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epois de quatro dias serenos, felizes e sem complicações, a sua vida voltou ao normal, ou pelo menos, àquilo que se habituara a ser depois do último Verão, um dia-a-dia sem interesse e uma vida conformada.
Na terça-feira seguinte, depois de mais uma manhã a leccionar Educação Musical (conforme o seu período de professor do segundo ciclo ia avançando no tempo, as suas saudades de dar aulas no Conservatório eram cada vez maiores), e, depois de os seus alunos terem tocado em flautas num auditório da escola, na hora de almoço e para os seus encarregados de educação, um par de músicas que tinham aprendido durante as suas aulas, no final do dia, este G…uitarrista, dirigiu-se mais uma vez para a casa de Sandra para mais um ensaio da sua banda.
Passou assim, uma hora a criar e tocar música sem grandes novidades, e sem grande entusiasmo. A verdade, é que se sentia cansado. Como que o fardo destes últimos meses em que se “arrastou” por uma vida que não lhe pertencia, começasse finalmente a pesar. E, enquanto Sandra acompanhava à porta os dois outros elementos da banda, sentiu uma extrema necessidade e vontade de “explodir”, bem como um enorme mal-estar. Caiu pesadamente no sofá da garagem improvisada de Sandra, onde ensaiavam, e levou as mãos à cabeça como se esta fosse a qualquer momento cair.
Sandra não tardou a voltar, e rapidamente acudiu ao amigo desesperado.
Apesar de este G…uerreiro não ter presente, desde o trágico Verão, todos os espectaculares e bons momentos que no passado tinha tido com esta amiga, Sandra, pelo contrário nunca o esquecera, e não demorou a estender-lhe a mão naquele momento.
Pequenas lágrimas de desespero e arrependimento não demoraram a aparecer nos olhos deste G…rácil homem, quando Sandra encostou a sua cabeça no colo dela, e começou amável e carinhosamente a acariciar o seu cabelo.
Passaram-se minutos e minutos.
Não se sentia exposto no colo daquela graciosa mulher. E, a pouco e pouco, as muralhas enferrujadas que, após todos os momentos tristes que vivera nesse último Verão, que criara em torno da sua vida, do seu passado, e da sua identidade, individualidade, começaram devagar e lentamente, como que de uma maneira forçada, a caírem.
Primeiro, reconheceu plena e verdadeiramente a mulher que o mimava. Sandra, uma verdadeira e única amiga. Tal como os seus companheiros…, uma mulher que conhecia há bastante tempo, e com quem partilhara momentos únicos da sua infância, adolescência e entrada na idade adulta. Sandra, uma bela rapariga que estivera sempre presente na sua vida, sempre com um rasgado sorriso nos momentos felizes, e sempre com um ombro amigo nos momentos menos bons. Sandra, a única mulher que o fazia feliz no fundo do coração e, que sempre que necessário o levantava quando caía.
Depois, conseguiu recordar e recriar finalmente todo o momento tão infeliz. Lembrou-se assim de como tudo acontecera naquela tarde de regresso a casa.
Percebeu ainda quão estúpido tinha sido, por, na altura, não ter entendido a partida de Nuno e João. Mas, como que se cada gesto de acariciar e cada festa de Sandra no seu corpo, e o levantar do nevoeiro instalado há muito na sua mente, fossem directamente proporcionais, a irracionalidade ia-se perdendo, e com o coração e não com a “cabeça” entendeu as razões que levaram os seus amigos a partir.
Ao contrário dele próprio, os seus amigos tinham partido. Partido à procura de se encontrarem a si mesmos depois de se terem perdido emocionalmente devido à morte de Ricardo. Por outro lado, ele ficara parado. Ficara à espera de se encontrar sem fazer nada para tal, à espera que um milagre acontecesse na sua vida. Percebeu então a diferença entre ficar parado à espera, e partir à procura, desinstalar-se. E, depois de mais uma calorosa festa de Sandra no seu cabelo, os seus olhos abriram-se totalmente.
Entendeu a grande graça com que fora presenciado: Sandra estar na sua vida. Pois fora ela, que, mesmo estando ele parado e perdido, fora ela que o ajudara a encontrar-se, sem ele próprio fazer grandes esforços, nunca desistindo dele.
Uma simples palavra surgiu-lhe na sua cabeça: “Gonçalo”.
Não sabia donde tinha vindo. Não sabia se tinha sido Sandra a pronunciá-la, ou se pura e simplesmente havia surgido na sua consciência. E, apesar, de no início não lhe ter dito nada, começou, lentamente, a aperceber-se do que aquela palavra significava. Era um nome. Era o Seu nome! A sua identidade há tanto perdida e agora encontrada.
As pontas de seus dedos, e todo o seu corpo, irradiavam uma alegria imensa, própria de quem se perde e se volta a encontrar na vida. Levantou-se. Beijou intensamente Sandra na sua delicada face e pegou na guitarra acústica que se encontrava a seus pés.
Dedicou a Sandra algumas palavras, bem como a música que nunca compusera, mas que sabia estar prestes a tocar…
Dirigiu o seu olhar mais atentamente para ele depois de um belo e improvisado dedilhado.
À sua frente estava Gonçalo. De olhar direccionado para baixo, como que a olhar para a guitarra clássica que segurava com os seus braços fortes e dobrados devido à sua grande prática musical. Os seus dedos deslizavam rapidamente quer pelas cordas de plástico quer pelas cordas de metal, como eficientes servos que rapidamente concluem os desejos de seu amo. Em frente dos seus olhos rebaixados, mas ao mesmo tempo quase fechados, como quem sabe de cor aquilo que faz, encontrava-se um par de óculos de lentes arredondadas, meio escondido por uma farta cabeleira clara e encaracolada. De pele nem muito clara nem muito escura. Bem vestido, e acima de tudo, um rosto sincero e pesado, como que já marcado por muitas experiências apesar dos seus vinte e sete anos.
Depois do eco da última corda a ser tocada parar, Gonçalo avaliou mais interessadamente o belo rosto que o fitava.
Sandra tinha, de facto, uma cara muito bonita. Na sua face, a acompanhar os seus lábios carnudos mas ao mesmo tempo suaves, por onde a sua bela e melódica voz saia de seu corpo, estavam: um nariz engraçado, nem grande nem demasiado pequeno; duas expressivas e belas bolas, da cor de uma manhã cinzenta de Inverno, que brilhavam rica e intensamente por baixo de duas sobrancelhas simples. Cabelo liso pelos ombros de um castanho a atirar para o claro. Era magra, embora não o fosse em demasia, e esperava calmamente por uma palavra ou atitude, sentada no chão de uma forma simples, mas com uma postura robusta e esbelta, que em nada escondia os belos e deliciosos contornos do seu corpo.
Era assim Sandra, uma linda rapariga de vinte e três anos. Bela, simples, robusta, inteligente, humilde e uma grande amiga.
“Muito mais que uma amiga”, pensou Gonçalo do fundo do seu coração. E, poisando a guitarra no chão, correu para Sandra e envolveu-a intensamente em seus braços…
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