“Veio-lhe então à cabeça uma história que escutara uma vez, não recordava onde, mas que não fora da boca de Demodoco. Hefaístos esculpiu a estátua de uma mulher formosíssima à qual Zeus infundiu o dom da vida. Cada um dos outros deuses, seguindo o seu exemplo, ofereceu-lhe um dom diferente, pelo que ela veio a chamar-se Pandora, o que significa “todos os dons”. Zeus entregou-lhe então um pequeno cofre de marfim com uma serpente de ouro incrustada à volta e a expressa proibição de o abrir. A curiosidade, como no caso de Psique, foi mais forte do que Pandora, a qual não resistiu à tentação de saber o que continha e levantou a tampa apenas o necessário para espreitar o seu interior. Quando o fez, uma estranha nuvem de fumo, uma espécie de sinistra neblina, deslizou para o exterior. Pandora fechou-o imediatamente, mas já era tarde. O mal já estava feito. Todas as baixezas da alma humana, juntamente com os vícios e as enfermidades do corpo, haviam escapado da sua prisão e espalhavam-se pelo mundo. Só um passarinho com penas de cor esmeralda ficou preso no interior. Essa era a esperança. Desde então, os males andam livremente pela terra. E a esperança, presa no fundo do pequeno cofre, está negada aos homens.”
In "Tróia ao Entardecer" by Antonio Sarabia
Obviamente que não partilho da extrema negação conclusiva deste clássico mito grego. É impossível ao Homem viver sem esperança. Viver sem a mínima crença em algo ou alguém, sem um sentido interior, exterior, vivencial, pessoal ou grupal que funcione como uma espécie de rumo na sua vida.
Porém, esta bonita alegoria helénica, deteve-me, hoje, na reflexão de que também é fundamental e pessoalmente necessário ao bem-estar do Homem, que este corra por vezes atrás da sua esperança, caminhando o seu eterno e ziguezagueado trilho, ao invés da comum postura passiva esperançosa.
De uma forma mais simples e fácil de assimilar e cumprir: ter esperança, esperar, não é somente sentar e acreditar, mas também, e muito, partir à procura, e caminhar descobrindo (ou descobrir caminhando?).